CALVINISMO x ARMINIANISMO - Parte 1


Estamos começando hoje uma série de quatro artigos que visam dar uma melhor compreensão sobre as duas principais linhas teológicas dentre os evangélicos. Não pretendemos que este estudo venha a ser completo ou definitivo. Um embate que já persiste por 400 anos não poderia ser totalmente resolvido numa única série de artigos para a internet. Nosso objetivo é que tomemos conhecimento do que são as duas principais correntes teológicas e consigamos compreender que, mesmo aquele que afirma não querer estudar teologia, sempre estará ligado a alguma corrente teológica.

Desta forma, este trabalho está dividido em:

Parte 1 – Histórico Geral – Visão Geral – publicado em 06 de Agosto de 2012
Parte 2 – Calvinismo
Parte 3 – Arminianismo
Parte 4 – Comparando 
As Perguntas comuns no cristianismo:
A) “Fui eu que escolhi a Deus ou foi Ele que me escolheu?”
B) “Posso resistir a vontade Deus?”
C) “Se eu já fui salvo, posso perder a salvação?”

Histórico Geral

Por mais inacreditável que possa parecer para os brasileiros, atualmente temos visto importantes sinais de que os jovens evangélicos estão cada vez mais interessados no estudo da Palavra de Deus. Ao menos através da INTERNET vemos um crescente número de blogs e vídeos apologistas, vemos inúmeros bem intencionados cristãos que publicam textos, fotos e artigos, quer seja nos seus blogs quer seja no Facebook. A verdade é que ao invés de preferirem a literatura mundana de seus pais, muitos jovens estão lendo hoje livros tais como “A Escravidão da Vontade“, de Martinho Lutero, e as “Institutas“, de João Calvino. Na medida em que lêem e comparam a Teologia dos Reformadores Protestantes com suas Bíblias, começam a perceber que muito da teologia do evangelismo contemporâneo tem negligenciado a graça, e tem dado ênfase às obras da carne.
Pode parecer estranho, mas na verdade muitos cristãos que afirmam crer na salvação pela GRAÇA continuam insistindo que o ser humano tem o poder de “tomar a decisão por Cristo”. Existem até igrejas que ressaltam a Graça em seus nomes e lemas, mas que na prática negam-na por seguirem correntes teológicas contrárias. Outros tantos afirmam que “Deus ama a todos igualmente” e se mantém certos de que Ele está mandando alguns para o inferno. Talvez isto já fosse motivo suficiente para que fizéssemos este estudo, mas muito mais temos a falar. Você talvez desconheça, mas, se és evangélico, sua Igreja, provavelmente, deve seguir a T.U.L.I.P. ou a Remonstrância. Talvez você possa desconhecer as Cinco Solas, mas isto é questão básica para que uma Igreja seja considerada Evangélica.
Nos Estados Unidos, por exemplo, está havendo uma marcante volta aos princípios Calvinistas e um abandono gradual do Arminianismo. Por outro lado, no Brasil ainda há maior preponderância dos que seguem os princípios arminianos em comparação com os Calvinistas. 
[...]
Engana-se quem afirma que o Calvinismo é uma teologia de pessoas mais estudadas e o Arminianismo é uma teologia de pessoas mais simples. Se a questão fosse esta não teríamos tantos embates há tanto tempo. Devemos afirmar que existem calvinistas com muito e pouco estudo e arminianos com muito e pouco estudo. Não desenvolva uma conclusão de forma tão simplista. Desta forma, quando vemos algum arminiano ou calvinista, devemos compreender que isto surgiu a partir dos estudos a que foi apresentado e que, ao final, levou-os a tomarem estas posições (mesmo desconhecendo-as).
Lembre-se que tanto Calvino quanto Armínio foram homens que se dedicaram exaustivamente ao estudo da Palavra de Deus. Ambos buscaram incessantemente encontrar qual seria a mais correta sistemática teológica a qual pudéssemos seguir. Calvino estudou na França, até a Universidade, Armínio estudo na Holanda, até a Universidade. Portanto, não há distinção com relação a estudos realizados.

Raízes Históricas:

Mesmo sabendo que este debate é interno das Igrejas Evangélicas, devemos ter conhecimento que as raízes são muito anteriores a Reforma Protestante de 1517.
Tudo começou com Pelágio, que foi um monge britânico que viajou a Roma por volta de 400 d.C. e ficou estarrecido com o comportamento mundano dentro das igrejas cristãs. Para combater esta falta de santidade, ele pregou um Evangelho que inicia com a justificação somente pela fé (na verdade foi Pelágio, e não Lutero, que foi o primeiro a acrescentar a palavra somente na frase de Paulo), mas terminava através do esforço humano e da moralidade. Pelágio tinha lido as Confissões de Agostinho e acreditava que ela representava uma visão fatalista e pessimista da natureza humana. Os seguidores de Pelágio, incluindo Celéstio, foram mais longe do que o seu professor e removeram a justificação por meio da fé, estabelecendo a salvação moral e baseada em obras conhecida como pelagianismo. Deve-se mencionar que a única evidência histórica dos ensinamentos de Pelágio ou de seus seguidores é encontrada nos escritos dos seus dois adversários mais fortes – Agostinho e Jerônimo.
Em resposta a Pelágio, Agostinho adotou um sistema teológico que incluía não apenas o pecado original (que Pelágio negou), mas também uma forma de predestinação. Alguns autores sustentam que Agostinho ensinou as doutrinas da expiação limitada e da graça irresistível, mais tarde associados com o calvinismo clássico. Os críticos afirmam que parte da filosofia de Agostinho poderia ter se originado a partir de sua perícia na filosofia grega, especialmente platonismo e maniqueísmo, que mantém uma visão muito elevada do espírito do homem e uma visão muito baixa do corpo do homem. Contra a noção pelagiana que o homem pode fazer tudo certo, Agostinho ensinou a noção de que o homem não pode fazer nada direito. Assim, ele raciocinou, o homem não pode sequer aceitar a oferta da salvação – deve ser Deus que age em Si mesmo e nos indivíduos para trazer salvação.

Graças a uma enxurrada de escritos de Agostinho (Graça e Livre Arbítrio, Correção e Graça, A Predestinação dos Santos e O Dom da Perseverança) o Catolicismo acabou por não entrar mais nos embates, se definindo pela sistematologia teológica de Agostinho. Desta forma, a Igreja Católica, e ainda mais a Igreja Ortodoxa, mantiveram-se fora do debate condenando de forma definitiva os ensinos de Pelágio.

Anos mais tarde, a agora Igreja Católica Apostólica Romana já possuía duas correntes do pensamento sobre a teologia da salvação, que são o Tomismo (teologia desenvolvida por São Tomás de Aquino) e o Molinismo (teologia desenvolvida pelo teólogo jesuíta Luis Molina – também utilizada hoje por alguns protestantes, tais como William Lane Craig e Alvin Plantinga). Estas duas correntes ainda são as atuais dentro do Catolicismo com uma clara maioria dos adeptos do Tomismo.
Nas décadas anteriores a Reforma Protestante, a Igreja Católica já havia adotado, em sua grande maioria, os princípios do Tomismo (teologia de Tomás de Aquino) que creem na fé formada pela caridade (fides caritate formata). Ou seja, com o livre-arbítrio do homem restaurado após o batismo, o homem deve agora dar o seu melhor para fazer boas obras, a fim de ter uma fé formada pela caridade; e, então galgar o Mérito de condigno (meritum de condigno) onde Deus, então, banca e concede a vida eterna com base nestas boas obras que Aquino chama de mérito do homem digno.
As cinco Solas:
Uma das principais características do movimento reformador, ou protestante, foi a condenação feita por Martinho Lutero da “justificação pelas obras”. É importante notar que as “vendas de indulgências” surgiram exatamente deste princípio de que “boas-obras podem salvar alguém”.
Deste movimento surgiu então as cinco Solas, que são: Sola Scriptura (Somente a Bíblia); Sola Gratia (Somente a Graça); Solus Christus (Somente Cristo); Sola Fide (Somente a Fé); Soli Deo Gloria (Somente a Deus a Glória).

Sola Scriptura (Somente a Escritura) – Centralidade na Bíblia


"Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça; | Para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra" (2ª Timóteo 3:16-17) 
É o principio no qual a Bíblia tem primazia em relação à Tradição legada pelo magistério da Igreja, quando, os princípios doutrinários entre esta e aquela forem conflitantes. Como Martinho Lutero afirmou quando a ele foi pedido para que voltasse atrás em seus ensinamentos:
“Portanto, a menos que eu seja convencido pelo testemunho das Escrituras ou pelo mais claro raciocínio; a menos que eu seja persuadido por meio das passagens que citei; a menos que assim submetam minha consciência pela Palavra de Deus, não posso retratar-me e não me retratarei, pois é perigoso a um cristão falar contra a consciência. Aqui permaneço, não posso fazer outra coisa; Deus queira ajudar-me. Amém.”
O historiador William Sweet sugeriu que isso posteriormente originou o direito fundamental de liberdade religiosa, bem como a própria ideia de democracia.

Sola Gratia (Somente a Graça ou Salvação Somente pela Graça) – Centralidade na Graça


"Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. | Não vem das obras, para que ninguém se glorie" (Efésios 2:8-9)
Afirma que a salvação é pela graça de Deus apenas, e que nós somos resgatados de Sua ira apenas por Sua graça. A graça de Deus em Cristo é a única causa eficiente da salvação. Esta graça é a obra sobrenatural do Espírito Santo que nos traz a Cristo por nos soltar da servidão do pecado e nos levantar da morte espiritual para a vida espiritual.

Sola fide (Somente a Fé ou Salvação Somente pela Fé) – Centralidade na Fé


"Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. | Não vem das obras, para que ninguém se glorie" (Efésios 2:8-9)
A justificação é pela graça somente, através da fé somente, por causa somente de Cristo. É pela fé em Cristo que Sua justiça é imputada a nós como a única satisfação possível da perfeita justiça de Deus.

Solus Christus (Somente Cristo) – Centralidade em Cristo



"Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim" (João 14:6)
Afirma que a salvação é encontrada somente em Cristo e que unicamente Sua vida sem pecado e expiação substitutiva são suficientes para nossa justificação e reconciliação com Deus o Pai. O evangelho não foi pregado se a obra substitutiva de Cristo não é declarada, e a fé em Cristo e Sua obra não é proposta.


Soli Deo gloria (Glória somente a Deus) – Centralidade em Deus


"Depois destas coisas olhei, e eis aqui uma multidão, a qual ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam diante do trono, e perante o Cordeiro, trajando vestes brancas e com palmas nas suas mãos; | E clamavam com grande voz, dizendo: Salvação ao nosso Deus, que está assentado no trono, e ao Cordeiro. | E todos os anjos estavam ao redor do trono, e dos anciãos, e dos quatro animais; e prostraram-se diante do trono sobre seus rostos, e adoraram a Deus, | Dizendo: Amém. Louvor, e glória, e sabedoria, e ação de graças, e honra, e poder, e força ao nosso Deus, para todo o sempre. Amém" (Apocalipse 7:9-12).
Afirma que a salvação é dom de Deus, e foi alcançada a nós por Deus apenas para Sua glória. Não deve-se dividir a glória de Deus com nenhum homem, com nenhuma instituição e com nenhuma outra entidade. Deus não divide sua glória e para servirmos a Deus, devemos nos humilhar diante d’Ele e reconhecer que foi Ele e não nós quem fez a obra.
A partir deste ponto os Luteranos e os batistas primitivos, em suas doutrinas, não são totalmente compatíveis com ambos os grupos (Calvinistas e Arminianos), desta forma, estes grupos preferem em vez de se envolver nos debates, seguirem as suas próprias formulações doutrinárias sobre a relação da liberdade humana com a soberania divina.

João Calvino


Jehan Cauvin, nascido em 10 de Julho de 1509 e morto em 27 de Maio de 1564 ficou conhecido nos países de língua portuguesa como João Calvino. Considerado um dos pais da Reforma Protestante, este teólogo francês desenvolveu um sistema teológico cristão que, posteriormente, ficou conhecido como Calvinismo.
Ainda com 12 anos de idade, Calvino foi admitido no Collège Montaigu, uma escola de dura reputação, conhecida pela sua rigidez, pelas constantes palmatórias e outras técnicas de educação punitivas. A lista de professores em Montaigu, nesta época, incluía o espanhol Antonio Coronel e o escocês John Mair (que foi professor de Inácio de Loyola).
Perto de completar 20 anos de idade, foi enviado a Paris, com uma renda anual concedida pela Igreja Católica, com o fim de estudar Teologia, no entanto, por decisão de seu pai, ele foi enviado para Orleans para estudar Direito, apesar de Calvino preferir Teologia. O biógrafo francês de Calvino, Bernard Cottret, escreve:
“Direito e leis: Calvino, o teólogo, é no fim, também, Calvino, o jurista. O seu pensamento fica marcado pela austeridade, a adstringência e a geometria da lei, pelo seu fascínio ou aspiração a ela. No início do século XVI assiste-se no Direito a uma verdadeira revolução. A retórica de Cícero toma a primazia sobre a filosofia medieval, que se sustenta nos seus silogismos. Com a interpretação de textos jurídicos, Calvino toma contacto pela primeira vez com a Filologia humanista”. O humanismo e o renascimento são, pois, os movimentos culturais que o vão influenciar em primeiro lugar”.

Entretanto nesta época o papa Clemente VII pressionava o rei de França a reprimir os protestantes franceses. Em bulas de 30 de Agosto de 1533 e de 10 de Novembro do mesmo ano, o papa exortava que a qualquer custo financeiro ou de vidas fosse realizada a “aniquilação da heresia Luterana e de outras seitas que ganham influência neste reino“.
Após alguma tensão por seu rompimento com o Catolicismo, Calvino acabou se mudando para Basel na Suíça onde ele publicou sua principal obra: “As Institutas da Religião Cristã” em 1536.
Calvino era um incansável polemista e apologista que gerou muita controvérsia. Ele não aceitava, em hipótese alguma, as teologias reinantes de Tomás de Aquino que se afastavam dos princípios da Graça propostos por Paulo em suas cartas e defendidas por Agostinho no início da Igreja.
A influência de Agostinho sobre Calvino é notória, princípios como a predestinação e dependência total de Deus para servos salvos do inferno são princípios Agostinianos compartilhados por Calvino.

Jacó Armínio


Jakob Hermanszoon, nascido em 10 de Outubro de 1560 e que morreu em 19 de Outubro de 1609 foi um teólogo holandes da reforma protestante. Hermanszoon ficou conhecido pela tradução latina de seu nome: Armínio e foi professor de teologia na Universidade de Leiden.
Órfão ainda na infância, foi adotado pelo pastor Theodorus Aemilius que o pôs na escola de Utrecht. Contudo, esse pastor também veio a falecer em 1574. Subsequentemente Rudolph Snellius levou-o à Marburgo, o que possibilitou Armínio poder chegar a Universidade de Leiden como estudante de Teologia e posteriormente se tornar professor da renomada instituição.
Jacó estudou com dedicação e teve ali sementes plantadas que começariam a se desenvolver em uma teologia que posteriormente competiria com a dominante teologia reformada de João Calvino. Ele foi ordenado Pastor em Amsterdam em 1588 e ganhou reputação com uma série de sermões sobre a Epístola de Romanos que desenvolveu gradualmente suas opiniões sobre a graça, predestinação e livre-arbítrio, que se mostraram incompatíveis com as doutrinas de Calvino.
Armínio começou a formular sua base teológica ao defrontar os ensinamentos Calvinistas com os de Dirck Volcketszoon Coomhert. Neste momento Armínio começou a duvidar de alguns aspéctos do calvinismo e a modificar algumas partes a partir de sua própria visão. Ele tentou reformar o calvinismo, e emprestou seu nome a um movimento — Arminianismo — que resistiria a alguns dos princípios calvinistas (predestinação incondicional, expiação limitada). Os primeiros seguidores holandeses de seu ensinamento ficaram conhecidos como Remonstrantes depois de terem emitido um documento, intitulado Remonstrantiæ(1610), contendo cinco pontos de desacordo com a corrente principal do calvinismo.
A teologia arminiana não se tornou totalmente desenvolvida durante a vida de Armínio, só após a sua morte (1609) os cinco artigos da remonstrância (1610) sistematizaram e formalizaram as suas ideias.
A influência de Tomás de Aquino sobre Armínio é notória, princípios como as boas obras e livre-arbítrio são princípios do Tomismo  (teologia de Tomás de Aquino) compartilhados por Armínio.
Fonte: (clique aqui).

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